Notícias

Publicado em 02/05/2023
Compartilhe:

Economistas e entidades travam guerra de números na reforma tributária

A retomada das discussões sobre a reforma tributária reavivou também uma guerra de números sobre o impacto das mudanças na tributação de bens e serviços para cada setor econômico.

Praticamente todos os representantes dos setores de serviços e da agropecuária têm argumentado que irão pagar mais imposto. Por isso, pedem tratamento diferenciado.

O Ministério da Fazenda deve finalizar em breve seus próprios cálculos, que serão apresentados ao grupo de trabalho da Câmara que elabora a proposta prevista para ser apresentada em 16 de maio.

Gustavo Madi, diretor da LCA Consultores responsável por estudos na área de tributação, coordenou diversos trabalhos ao longo dos últimos quatro anos, quando a reforma voltou a ser debatida no Congresso.

Apesar de terem sido realizados em épocas diferentes e com parâmetros que foram sendo atualizados, ele diz que as grandes conclusões são sempre as mesmas.

As indústrias com cadeias produtivas mais longas, de modo geral, acumulam um resíduo tributário relativamente grande, devido ao imposto em cascata. Com isso, a carga atual tende a ser mais alta. Com a reforma, ela diminuiria.

Setores exportadores, mesmo os mais básicos, como agropecuária e indústrias extrativas, também têm um resíduo tributário relevante. Eles serão favorecidos na medida em que a reforma elimina essa acumulação de impostos.

Companhias que prestam serviços para empresas devem ter uma tributação maior, mas esse imposto irá se tornar um crédito para o comprador. Com isso, o custo do insumo ou serviços para a empresa que compra será menor.

Já os setores de serviços para as famílias devem ter aumento de carga, especialmente nas áreas de saúde e educação, segmentos que terão tratamento diferenciado, como já foi admitido por parlamentares do grupo de trabalho e pelo governo.

Os cálculos da LCA têm como base, principalmente, dados das Contas Nacionais do IBGE (os números do PIB) e da Receita Federal de arrecadação por Código de Atividade Econômica.

Além do tributo pago diretamente ao governo pela empresa, é preciso calcular também todos aqueles embutidos nos preços dos bens e serviços comprados, com base na estrutura média de custos para o setor, carga dos principais insumos e identificação daqueles que atualmente geram crédito ou não.

“O sistema atual é tão complexo, tão cheio de particularidades, que o nível de incerteza [nos cálculos] é relativamente grande, mas, em grandes números, os setores que vão ter aumento ou redução de carga são os mesmos”, afirma o diretor da LCA.

MANICURE

Outro estudo de referência na área tem como coautor o advogado, economista e consultor do Banco Mundial Eduardo Fleury. Com base nos dados da POF (Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE), o trabalho busca tirar os impostos alvo da reforma de toda a cadeia de produção e aplicar o novo tributo com uma alíquota única em torno de 25%.

É necessário também ponderar o peso de cada insumo, quanto é adquirido de empresas do Simples —que não serão afetadas pela reforma.

Fleury afirma que as empresas afetadas pela reforma com aumento de carga tributária representam um universo pequeno. Ele diz que os serviços representam 73% do PIB, mas o que pode ser atingido não passa de 13,7% do PIB. E mesmo dentro desse universo há empresas do Simples e microempreendedores, que não são atingidos, além de empresas de setores que devem ter tributação diferenciada, como saúde e educação.

A CNI estima que 9,1% das empresas do setor teriam impacto negativo, mas diz que 89,4% estão no Simples. Com isso, o impacto ficaria restrito a 1% das companhias.

“É preciso tomar cuidado com os números. Quando você tira saúde, educação, tira empresa do Simples, o campo de empresas afetadas é bem inferior. Manicure, por exemplo, é MEI ou Simples, não vai ser afetada”, diz Fleury.

NOVA ALÍQUOTA TAMBÉM É DÚVIDA

O cálculo da alíquota do novo tributo é outro fator de incerteza. Ele deve ser o suficiente para manter a arrecadação. Ou seja, o percentual médio que já é pago atualmente. Desde 2019, tem se adotado o número de 25%, com cálculos que variam em torno desse resultado.

Trabalhos de referência de pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontaram valores de 24,2% e 26,9%, respectivamente. O Banco Mundial e a LCA também trabalham com valores dentro desses limites.

A CNS (Confederação Nacional dos Serviços), por outro lado, apresentou no Congresso o número de 16,5% calculado por sua assessoria econômica. A entidade defende que seria possível, com uma alíquota de 21,5%, tirar da tributação do consumo uma arrecadação extra que compense uma desoneração da folha de pagamento.

“Quem calcula 25% está pegando um cálculo de PIB, que não é a melhor base. A gente chega nos 16,5% partindo não do PIB, mas do quanto as empresas faturam. A outra parte dessa diferença de quase nove pontos percentuais é a questão da sonegação. Calculamos uma alíquota ideal em que não tenha sonegador”, afirma Fernando Garcia de Freitas, assessor econômico da CNS.

Freitas também questiona os estudos que mostram ganhos de crescimento econômico, produtividade e empregos com a reforma. Afirma que eles se baseiam em benefícios que viriam em períodos de até 20 anos. A CNS projeta fechamento de 1 milhão de postos de trabalho e queda imediata de 0,6% do PIB após a mudança na regra tributária.

Entendo o que eles estão dizendo, mas acho que é um argumento fraco para tomar uma decisão hoje. Se a partida é ruim para muita gente, isso vai gerar atrito na economia, vai gerar dificuldade para crescer. Acho esse estudo particularmente otimista.

“Confio nessa modelagem para outros assuntos, como quando se fala de resultados se a gente investir em educação ou saneamento. Em educação, o ganho não vai aparecer antes de 20 anos. Na mudança tributária, o impacto é amanhã.”

Fonte: Folha de São Paulo