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Publicado em 17/11/2020
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Retroatividade benigna no direito tributário penal

Por João Antônio Nunes da Silva*
Publicado em 17 de novembro de 2020

Neste artigo, o autor com a propriedade que lhe é peculiar aprofunda o tema da Retroatividade Benigna no Direito Tributário, chamando a atenção sobretudo para os efeitos jurídicos reflexos decorrentes de lei nova que reduz o montante da Dívida Ativa.

Antes de adentrar o tema, faz-se mister, em obséquio ao rigor científico, uma classificação. A doutrina pátria, em geral, faz distinção entre o Direito Tributário Penal e o Direito Penal Tributário, distinguindo o ilícito administrativo do ilícito penal. Assim, a sanção pode ser de natureza administrativa ou penal. A sanção de natureza administrativa recai no âmbito do chamado Direito Tributário Penal, o qual se preocupa com os ilícitos administrativos, ou seja, as infrações tributárias decorrentes do descumprimento de obrigações tributárias principais ou acessórias, envolvendo, destarte, todas as condutas comissivas ou omissivas que ensejam sanções de natureza administrativa. A sanção penal tributária, por sua vez, situa-se no âmbito do chamado Direito Penal Tributário que abarca os crimes contra a ordem tributária, previstos na Lei 8.137/90. Como a sanção de natureza penal não é objeto deste estudo, cuida-se, então, das penalidades de natureza administrativa.

É de conhecimento geral que a lei sempre retroage para beneficiar, sobretudo em matéria de direito penal. Não é diferente, também, no que se refere ao direito tributário penal. O Código Tributário Nacional estabelece no seu artigo 106, II, “c” que a lei aplica-se a ato ou fato pretérito, tratando-se de ato não definitivamente julgado, quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

Havia muita discussão acerca da expressão ato não definitivamente julgado. A controvérsia estava em saber se a expressão abrangia somente a esfera administrativa ou também a judicial. A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu, à unanimidade, no Recurso Especial n.º 181.878, publicado no Diário da Justiça, de 22/03/99, que a expressão ato não definitivamente julgado constante do artigo 106, II, “c”, do Código Tributário Nacional alcança o âmbito administrativo e também o judicial; constitui, portanto, ato não definitivamente julgado, o lançamento fiscal impugnado por meio de embargos do devedor em execução fiscal.

Em outro julgado, de 26/05/99, o Tribunal decidiu, no Recurso Especial nº 184.642-SP, que em execução fiscal, entende-se por caso não definitivamente julgado aquele em que ainda não há decisão final na arrematação, adjudicação, remissão ou extinção do processo. Diz a decisão que, no caso, é irrelevante a interposição ou não dos embargos do devedor e se estes foram ou não julgados.

Verifica-se, pois, que é bastante amplo o alcance dos efeitos jurídicos da lei nova, exsurgindo daí diversas consequências. Assim, por exemplo, nos processos administrativos fiscais pendentes de julgamento no âmbito administrativo, em qualquer instância, é obrigatório o chamamento do contribuinte para exercitar o seu direito de efetuar o pagamento do crédito tributário reduzido, sob pena de arguição de nulidade do julgamento, em decorrência do cerceamento desse direito, criado com o advento da lei nova. Nos processos definitivamente julgados na esfera administrativa, pendentes de inscrição em dívida ativa, pelas mesmas razões, também é obrigatório o chamamento do contribuinte para exercitar o seu direito, sob pena de argüição de nulidade do ato jurídico administrativo da inscrição.

Mais complicada é a situação dos processos já inscritos em dívida ativa, estejam ou não em curso de cobrança executiva, pois as certidões de dívida ativa terão que ser refeitas, contemplando as circunstâncias do novo ordenamento jurídico, para novamente gozarem da presunção de certeza e liquidez, requisitos indispensáveis aos títulos executivos. A inscrição e a extração da certidão hão de ser feitas com severo rigor formal.

Sabe-se que é requisito obrigatório do termo de inscrição da dívida ativa, conforme dispõe o artigo 202 do CTN, a indicação da quantia devida, sob pena de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente. Não é só isso, antes do refazimento dos títulos, pelas mesmas razões anteriormente expostas, faz-se necessário o chamamento do contribuinte para exercitar o seu direito de efetuar o pagamento com os benefícios da lei nova. Mais ainda, a teor do que dispõe o artigo 203 do CTN, em face da modificação da certidão da dívida, é obrigatória a devolução, ao contribuinte, do prazo para defesa, relativamente à parte alterada da certidão, oportunidade em que este também poderá exercitar o seu direito de efetuar o pagamento.

Frise-se que constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular, segundo previsão do art. 201 do CTN.

Portanto, nos casos de créditos tributários já inscritos em dívida ativa, quando a lei nova retroage para beneficiar, ocorre a desconstituição da dívida, até então regularmente inscrita, que não mais goza da presunção de certeza e liquidez, requisitos essenciais de qualquer título executivo, pois, somente a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída, segundo a dicção do art. 204 do referido código. Então, somente depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, por força da lei ou da decisão final proferida em processo regular, é que se pode aperfeiçoar o título executivo, observado o disposto no art. 202 do CTN, sob pena de nulidade.

É dever do legislador preocupar-se com os efeitos reflexos da retroatividade benigna no âmbito do Direito Tributário Penal, tomando as cautelas necessárias para salvaguardar os direitos e interesses da Fazenda Pública, e não impor solução de continuidade administrativa aos milhares de processos inscritos na dívida ativa, estejam ou não em curso de cobrança executiva.

João Antônio Nunes da Silva é Auditor Fiscal da Receita Estadual e autor dos livros Manual do ICMS e Processo Fiscal do Espírito Santo

 

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