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Publicado em 23/01/2019
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Reforma tributária e os riscos da simplificação exagerada

Texto: Tathiane Piscitelli/Valor Econômico
Crédito da foto em destaque: João GB Junior/Pixabay

A discussão sobre a reforma tributária e a necessária simplificação do sistema tributário nacional ocupou a pauta do primeiro turno do debate presidencial. A implementação de medidas concretas nessa linha depende de um alinhamento considerável do parlamento e cautela com as finanças dos Estados e municípios.

Como noticiou este Valor, seis Estados iniciam o ano com um déficit conjunto de R$ 74,1 bilhões. Em um cenário desse, a proposta de unificação do ICMS com outros tributos federais, para viabilizar a criação de um único imposto sobre consumo, dificilmente terá eco entre os senadores e deputados federais.

Ao lado dessa dificuldade prática, há outros argumentos que devem ser levados em conta no debate sobre a reforma: a ânsia pela simplificação pode conduzir a desigualdades. Como é sabido, tributos sobre o consumo são naturalmente regressivos. Como consequência, alíquotas uniformes, sem distinção à luz da essencialidade dos produtos comercializados aumentam essa regressividade e, consequentemente, a desigualdade.

Estudos recentes atestam o aumento da desigualdade no Brasil, sendo a tributação uma variável fundamental para esse dado. Ademais, na relação entre tributação e desigualdade, há uma perspectiva de gênero que deve ser considerada.

Como destaca o International Center for Research on Women, no Economic Paper n. 62, a demanda pela simplificação tributária nos países em desenvolvimento pode ocasionar na eliminação de isenções ou benefícios fiscais para produtos de primeira necessidade. Essa eliminação pode trazer impactos negativos mais sensíveis para mulheres, por duas razões centrais.

A primeira relaciona-se com a distribuição da renda nesses países, e à posição da mulher nessa distribuição. Segundo a OXFAM Brasil, no relatório “A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras”, mulheres e negros são maioria até a faixa de 1,5 salários-mínimos no Brasil. Após essa faixa, a presença de homens brancos é progressiva e constantemente maior. Sendo assim, parece óbvio que as mulheres negras situam-se na base da pirâmide de renda nacional. Logo, elas serão as mais afetadas pelo aumento de tributos sobre o consumo – algo que, necessariamente ocorrerá com a eliminação de isenções ou reduções específicas para a cesta básica.

A segunda razão liga-se ao fato de que mulheres são predominantemente responsáveis por cuidados de pessoas e afazeres domésticos. Segundo o IBGE, mulheres inseridas no mercado de trabalho dedicam 73% de horas a mais à ocupação doméstica, se comparadas a homens. Esse dado é indicativo do padrão de consumo das mulheres: parte significativa da renda é destinada às despesas diretas da casa. Assim, a eliminação de benefícios fiscais aos itens da cesta básica, por exemplo, afetará mais renda das mulheres. Maior regressividade, portanto.

O quadro de que partimos já desfavorece as mulheres: entre os países da OCDE, a média da diferença salarial entre homens e mulheres é de 13,8%, enquanto no Brasil essa diferença é de 23,5%. O debate sobre a reforma tributária deve ser transparente, além de mirar um melhor sistema para todos. A defesa de maior regressividade em nome da simplificação não é justificável.