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Publicado em 19/06/2018
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Brasileiros mais pobres demorariam nove gerações para atingir a renda média

Texto: Rennan Setti/O Globo
Foto: Agência Brasil

Entre as grandes economias do mundo, o Brasil é um dos piores países para se subir na escala social. De acordo com estudo divulgado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) ontem, um brasileiro nascido entre os 10% mais pobres da população levaria nove gerações para atingir a renda média do país. Esse tempo é o segundo maior entre as 30 nações pesquisadas, superado apenas pelo da Colômbia — onde a proeza demoraria 11 gerações, ou pelo menos 300 anos — e empatado com a África do Sul. Entre os 24 membros da OCDE (integrada sobretudo por países ricos e da qual o Brasil não faz parte), a média é de 4,5 gerações.

— O estudo mostra que a baixa capacidade dos pobres de ascenderem e dos ricos de descerem na escala social deriva, em grande parte, da inércia educacional dos filhos em relação aos pais. Se o pai é analfabeto, há uma alta chance de o filho também ser. O determinismo desse aspecto familiar é muito relevante no Brasil e, embora tenha melhorado, ainda é muito ruim — explicou o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, especialista em pobreza e desigualdade.

Na Dinamarca, país mais bem posicionado entre os pesquisados, duas gerações seriam suficientes; na vizinha Argentina, estimam-se seis. De acordo com o estudo, os países que estão na lanterna do ranking são aqueles com alta desigualdade de renda e baixa mobilidade social. Entre as nações pesquisadas, o Brasil tem o segundo maior índice de desigualdade e a terceira menor mobilidade de renda entre as gerações.

As previsões feitas pela OCDE só se concretizariam, é claro, se as condições encontradas atualmente para esses indicadores se mantivessem estáveis pelas próximas décadas.

ESTUDO ELOGIA BOLSA FAMÍLIA E COTAS

“Em termos de rendimento através das gerações, a persistência intergeracional é de cerca de 40% entre a média dos países da OCDE, contra menos de 20% nos países nórdicos e mais de 70% em alguns países emergentes. Esses números significam que, se um pai rico tem o dobro da renda comparada com a de outro pai pobre, o filho do mais rico ganharia 40% mais que o filho do mais pobre na média dos países da OCDE. Enquanto isso, a proporção seria de apenas 20% mais na Finlândia e 70% mais no Brasil", escreveram os pesquisadores.

O estudo pondera, porém, que o Brasil fez progressos nas últimas duas décadas e se destacou entre alguns dos países emergentes. O estudo citou como benéficas algumas iniciativas adotadas pelo governo brasileiro, como o Bolsa Família e a política de cotas para estudantes negros e pobres em universidades públicas.

“O Brasil, por exemplo, conseguiu reduzir a desigualdade de renda desde o começo dos anos 2000. Por outro lado, China, Indonésia e África do Sul se tornaram mais desiguais ao longo do tempo, e agora apresentam níveis muito acima da média da OCDE, embora a trajetória da desigualdade na China pareça ter se estabilizado recentemente”, afirma o documento.

Neri, que já presidiu o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), observou que o que ajuda a explicar essa baixa mobilidade social é o “elo perdido” entre a educação e a produtividade no país.

— O problema no Brasil é que a educação até melhorou, mas não teve impacto relevante no mercado de trabalho. Colocamos todas as crianças na escola, mas só por quatro horas e sem uma visão de inclusão profissional. A conexão entre escola e trabalho é um elo perdido no Brasil. Houve um retorno social positivo, mas não um de ordem econômica. Essa é a falha brasileira — diz o economista.

Segundo Neri, embora a escolaridade média do brasileiro tenha quase triplicado na comparação com os anos 1980, a produtividade ficou praticamente estagnada.

MOBILIDADE DESACELEROU

O levantamento da OCDE concluiu, porém, que, em escala global, a mobilidade social desacelerou, enquanto aumentou a perpetuação da riqueza através das gerações.

“Famílias e comunidades em vários países parecem estar presas nos degraus inferiores da escada social, particularmente desde o começo dos anos 1980. Isso significa que as crianças nascidas no piso da distribuição de renda têm menos chances de subir e melhorar seus status ocupacionais e sua renda do que seus pais e gerações anteriores”, escreveu Gabriela Ramos, diretora do gabinete do secretário-geral da OCDE. “A renda dos seus pais será um dos principais fatores, ou mesmo o principal, para explicar suas próprias rendas, pesando 38% na média da OCDE e até 70% em alguns países.”

Neri também chama atenção para o fato de o levantamento da OCDE mostrar que os brasileiros não acreditam em meritocracia. Citando números da Oxfam Brasil, o estudo mostra que seis em cada dez brasileiros acham que esforço não é suficiente para que pessoas nascidas na pobreza alcancem um padrão de vida confortável e que 55% também acham que a educação não é garantia de igualdade de oportunidades entre ricos e pobres.

— Diferentemente dos EUA, não existe um “sonho brasileiro” no sentido de ascensão. É uma sociedade descrente dessas possibilidades. A cabeça dos brasileiros está, então, em consonância com os dados da pesquisa sobre a mobilidade. Isso é preocupante para o futuro. Se o retrato hoje é preocupante, o trailer prospectivo do filme que vem pela frente é ainda pior — afirmou Neri.

Segundo ele, diante do fim do chamado bônus demográfico — disponibilidade de mão de obra jovem — no Brasil e da pouca abertura para profissionais de outros países, o aumento da mobilidade social só poderá vir por meio de aumento de produtividade, que dependerá de mais investimento em educação.