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Publicado em 08/01/2019
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Sugestão para Guedes: acabar com as isenções fiscais bilionárias para agrotóxicos

Texto: Maurício Angelo/The Intercept Brasil
Crédito da foto emd estaque: Emerson Begnini/Pixabay

Pouco antes de assumir oficialmente como o todo poderoso Posto Ipiranga e ministro da Economia do presidente Jair Bolsonaro, o economista Paulo Guedes ordenou que a equipe de transição passasse um pente fino nas isenções fiscais em todos os setores da economia. Reduzir as isenções ao máximo é, segundo Guedes, uma forma de eliminar o rombo nas contas do governo federal. Pois eis uma sugestão para o ministro: acabar com a mamata das isenções no setor de agrotóxicos.

Em média, os chamados “defensivos agrícolas” deixam de pagar R$ 1 bilhão ao ano em impostos. Apenas entre 2011 e 2016, foram R$ 6,85 bilhões em isenções para o setor, segundo dados consultados pelo Intercept nas atas da Receita Federal. Apesar de bilionário, o número apenas arranha a superfície da extensão total desses privilégios, já que levam em conta somente a isenção fiscal da Cofins, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, e do PIS/Pasep. Os dois incidem sobre a importação e a venda no mercado interno e são revertidos para o pagamento do seguro-desemprego, por exemplo. O setor de agrotóxicos está livre desse pagamento desde 2004, quando foi aprovada a lei Lei 10.925 proposta pelo deputado Mario Negromonte, do PP baiano, ex-ministro das Cidades e hoje alvo de uma denúncia da PGR por corrupção passiva e ocultação de bens.

O PIS/PASEP e Cofins não são os únicos. O governo facilita o acesso a agrotóxicos com isenções tributárias também na importação, produção e venda interestadual desse tipo de produto.

As vantagens para o setor são fruto de vários projetos de lei, aprovados em épocas e governos diferentes. A importação, por exemplo, é livre de impostos por causa de uma lei de 1990, regulamentada por decreto em 2009. Há ainda uma medida de 2016 que isenta a cobrança do IPI, o imposto sobre produtos industrializados, para agrotóxicos fabricados a partir de alguns ingredientes ativos. Por fim, um convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária, o Confaz, reduziu em 60% o ICMS, o imposto sobre circulação de mercadorias, na venda de agrotóxicos entre estados brasileiros.

Mais próximo da realidade: R$ 1,2 bilhão por ano só em SP

O caso do estado de São Paulo é emblemático. O estado gasta mais em isenções para agrotóxicos que o governo federal – R$ 1,2 bilhão de SP contra R$ 1 bilhão da União, segundo um levantamento do procurador Marcelo Novaes, da Defensoria Pública de São Paulo em Santo André, de 2015.

O dinheiro equivale ao rombo orçamentário médio do governo estadual de SP nos últimos anos, também de R$ 1,2 bilhão, ou o orçamento anual da Secretaria de Agricultura do estado. O dado, confirmado pela Diretoria de Estudos Tributários e Econômicos da Secretaria Estadual da Fazenda, pode ser ainda maior, já que a secretaria dificulta o acesso completo às informações, apesar dos inúmeros pedidos de Novaes.

“Nós temos uma legislação tributária perversa, que transfere renda do trabalhador para os setores rentista e agroindustrial. E tudo isso vira dívida pública. Quando eu falo de subsídio para agrotóxicos, estou falando de dívida pública”, me disse o procurador.

O convênio do Confaz que permite reduzir em até 60% a base de cálculo do ICMS de produtos como os agrotóxicos é questionado por uma ação do PSOL. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, já se manifestou contra cortar impostos para a compra de agrotóxicos. “Ao estipularem benefícios fiscais aos agrotóxicos, [os impostos] intensificam o seu uso e, portanto, sujeitam o meio ambiente, a saúde e a coletividade dos trabalhadores aos perigos inerentes ao manuseio em larga escala [de agrotóxicos]”, escreveu Dodge em um parecer publicado em outubro.

O que se sabe ainda está longe de ser um raio-x completo do problema: agrotóxicos são considerados insumos agrícolas e, nessa condição, a despesa dos agricultores é abatida integralmente do imposto de renda de pessoa física e jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Outro fator importante: 84% das renúncias fiscais no país têm prazo indeterminado e 44% não são fiscalizadas, de acordo com relatório do TCU. Ou seja, falta transparência e em boa parte dos casos um acompanhamento real sobre a efetividade desses subsídios. Em 2017, os benefícios tributários no geral alcançaram R$ 354,72 bilhões, correspondendo a 5,4% do PIB.

Orçamento público estrangulado, multinacionais satisfeitas

Somente em 2016, de acordo com o sindicato dos produtores de agrotóxicos, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal, o faturamento da indústria de agrotóxicos no Brasil foi de US$ 10 bilhões – cerca R$ 40 bilhões na cotação atual. Como o setor é isento de imposto de renda, são R$ 40 bilhões sem tributação, isso independente do risco que oferecem, sem distinção em relação a quanto é tóxico para a saúde e o meio ambiente.

Em países como Canadá, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega, Suécia e outros, a taxação dos agrotóxicos é definida de acordo com o potencial dano ambiental associado ao uso de cada produto. Essa taxação, inclusive, determina da sinalização de toxicidade na embalagem até seu preço de mercado.

Campeões de agrotóxicos

O Brasil vendeu 551 mil toneladas de agrotóxicos em 2016, segundo dados do Ibama. Entre 1990 e 2012, o uso de pesticidas no país explodiu: incríveis 606% de aumento, contra 135% na China, 151% no Canadá e 166% na Colômbia, de acordo com dados da FAO, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O aumento tem relação com a expansão do cultivo de soja nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

O uso de pesticidas no Brasil se concentra, em especial, nas regiões em que predomina a produção em larga escala de produtos como a soja, o milho e a cana de açúcar, sobretudo no centro oeste, avançando sobre a Amazônia no norte do Mato Grosso, a fronteira do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), e boa parte do sul e sudeste. E também está entre os maiores do mundo. São ao menos 7 kg por hectare, mais que o dobro do verificado em 2000 (3 kg/ha) e quase três vezes maior que o dos EUA (2,6 kg/ha), considerados um dos países que mais usa agrotóxicos no mundo.

O glifosato, por exemplo, veneno que causou recentemente a condenação da Monsanto nos EUA em US$ 289 milhões por comprovadamente causar câncer, é o mais utilizado no Brasil, com mais de 30% do mercado. Consumimos hoje cerca de 500 mil toneladas de glifosato, a mesma quantidade que usávamos de todos os agrotóxicos em 2000.

Agricultura familiar à mingua

Todo o cenário de facilidades para agrotóxicos, que inclui na classificação de “defensivos agropecuários” ou “fitossanitários”, de acordo com a suavização dominante do discurso, produtos como “herbicidas, inseticidas, rodenticidas, fungicidas, inibidores de germinação e reguladores de crescimento para plantas, desinfetantes e produtos semelhantes”, vale também para a indústria de fertilizantes e para a indústria química, que movimentam mais dezenas de bilhões de reais.

Esse mercado é concentrado em empresas multinacionais que passaram por processos de fusões recentes na casa das dezenas de bilhões de dólares. São conglomerados transnacionais como a Bayer-Monsanto (EUA/Alemanha), ChemChina/Syngenta (China/Suíça), DowDuPont (EUA) e Basf (Alemanha).

Na prática, são essas empresas, também, as responsáveis por oferecer assistência aos produtores rurais. No Brasil, o sistema público de assistência técnica rural é insuficiente, não alcançando nem 50% dos agricultores familiares, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Assistência Técnica e Extensão Rural. Por isso, muitas vezes os pequenos produtores ficam “reféns” dessas grandes empresas produtoras de agrotóxicos que oferecem “ajuda” em troca do uso de seus produtos.

Sem acesso a orientação quanto ao uso correto dos agrotóxicos eles também não têm acesso a alternativas mais sustentáveis. Muitos agricultores também só têm acesso a determinados financiamentos se comprovarem o uso de agrotóxicos, relacionados a garantia de produtividade.

O modelo de produção já foi questionado pelo TCU. Em um relatório, o tribunal afirmou que é preciso impedir “a imposição aos trabalhadores agrícolas da adoção do modelo de produção convencional (obtenção de crédito rural condicionada ao uso de agrotóxicos), sem assistência técnica adequada e suficiente”.

Os produtores rurais também têm incentivos na forma de crédito para atuarem com agrotóxicos. Dados extraídos da Matriz do Crédito Rural do Banco Central mostram o favorecimento serial para o agronegócio em contrapartida à agricultura familiar. De janeiro de 2013 (primeiro ano disponível) a janeiro de 2018, o valor pago em diversas fontes de financiamento nas modalidades “aquisição de insumos para fornecimento aos cooperados” e “aquisição de insumos em geral” somam mais de R$ 21 bilhões. Foram R$ 14,6 bilhões para contratos de custeio (que cobrem despesas normais dos ciclos produtivos) e R$ 6,6 bilhões na modalidade “correção intensiva do solo”.

É nessa última modalidade que estão presentes os valores para compra de todo tipo de agrotóxicos, fertilizantes e demais “defensivos” agrícolas. A falta de transparência em agregar vários itens em termos genéricos mostra a pouca disposição em revelar quem recebe o quê.

E esse cenário não dá sinais de que será revertido, apesar de uma recomendação do TCU de que o imposto sobre agrotóxicos passe a levar em conta o risco à saúde humana e ao meio ambiente. Basta lembrar que, caso resolva seguir nossa sugestão, Guedes terá de encarar o peso da bancada ruralista liderada pela sua colega de ministério, a deputada Tereza Cristina, do DEM-MS, conhecida como a “Musa do Veneno”, agora a frente também da pasta da Agricultura.