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Publicado em 12/03/2018
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A injustiça fiscal tem rosto de mulher, diz Magdalena Sepúlveda

Publicado originalmente em Poder 360 em 8 de março de 2018
Por Magdalena Sepúlveda

As organizações de mulheres na América Latina e no Caribe podem se orgulhar de si mesmas: graças a suas lutas, avançou-se significativamente na adoção de marcos legais para promover a igualdade de gênero. Hoje em dia, as mulheres têm maior acesso à sua própria renda, sua participação no trabalho aumentou e diminuíram as lacunas na qualidade do emprego entre mulheres e homens. No entanto, falta muito.

A remuneração por trabalho de igual valor continua sendo muito menor, as mulheres estão concentradas em empregos informais e sem condições de trabalho dignas. Além disso, eles continuam tendo uma responsabilidade desproporcional em tarefas domésticas e cuidados não remunerados. Cuidar, limpar e cozinhar ainda são “coisas de mulher”.

A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) calcula que as mulheres na região dedicam três vezes mais tempo ao trabalho não remunerado do que os homens, o que limita suas oportunidades de educação, formação ou emprego e impossibilita seu empoderamento econômico. Isso explica em parte porque, apesar dos avanços e da redução geral da pobreza que a região experimentou, a pobreza se feminilizou na última década.

Hoje, a América Latina está em uma encruzilhada. O compromisso renovado com a igualdade de gênero e os direitos humanos, através da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, se encontra em conflito com um marco econômico menos favorável. Os governos aplicam políticas de austeridade com consequências devastadoras para as populações desprotegidas. Ao mesmo tempo, a opinião pública vê que muitas multinacionais pagam apenas uma parte dos impostos que lhes cabem, conforme revelado novamente pelo escândalo dos “Paradise Papers”.

O mais surpreendente, para o cidadão comum, é entender que esses abusos fiscais são legais. As regras atuais permitem às empresas, ao invés de declarar seus lucros no país onde são gerados, fazê-lo em outro país com uma taxa de imposto mais baixa, às vezes nula. Este sistema perpetua a concorrência tributária, pressionando os países a adotar impostos cada vez mais baixos.

Desde a Comissão Independente pela Reforma da Taxação Corporativa Internacional (ICRICT, na sigla em inglês) acreditamos que seguir avançando na agenda de gênero da região requer ampliar o escopo. A igualdade de gênero não pode ser alcançada sem uma reforma da tributação das multinacionais.

As políticas fiscais não são neutras no que diz respeito à igualdade de gênero: podem promovê-la ou prejudicá-la. Devido às posições diversas e desiguais que as mulheres e os homens ocupam na força de trabalho, como consumidores, como produtores, como proprietários de bens e como responsáveis pelas atividades incluídas na “economia do cuidado”, as mulheres e os homens experimentam de formas diferentes o impacto das políticas fiscais.

Quando as multinacionais não pagam os impostos que lhes correspondem, isso significa que os Estados têm menos recursos para investir em serviços públicos como educação, saúde, creches, acesso a sistemas judiciais eficientes e acesso a sistemas públicos de água potável e saneamento.

Essa dinâmica exacerba a desigualdade de gênero, porque as mulheres estão sobrerrepresentadas entre os pobres e no grupo populacional com empregos precários ou mal remunerados. Elas também tendem a assumir uma maior carga de trabalhos de cuidado não remunerados quando os serviços sociais são reduzidos. Uma creche que fecha pode forçar uma mulher a deixar seu emprego para cuidar de seus filhos.

Além disso, quando os países veem sua capacidade de arrecadação diminuída – com as multinacionais não pagando a parte justa que lhes corresponde – os governos tendem a compensar essa perda aumentando a carga tributária sobre pequenas e médias empresas ou sobre cidadãos e famílias (geralmente aumentando os impostos sobre o consumo, como o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços).

Essas medidas também têm uma dimensão de gênero, as mulheres estão sobrerrepresentadas em pequenas e médias empresas (que têm menos possibilidades de eludir impostos) e nos níveis salariais mais baixos. E quanto mais regressivo o sistema tributário, mais desproporcionalmente cairá o esforço para manter as políticas públicas sobre as mulheres.

Este 8 de março, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, quando os governos da região reiteram seu compromisso com a igualdade de gênero e com os direitos das mulheres, não é má ideia lembrar-lhes que sem políticas fiscais progressivas, não seremos capazes de avançar na igualdade de gênero, nem garantir os direitos das mulheres.

Magdalena Sepúlveda é membro da Comissão Independente pela Reforma da Taxação Corporativa Internacional (ICRICT, na sigla em inglês) e foi Relatora Especial das Nações Unidas sobre Pobreza Extrema e Direitos Humanos.