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Publicado em 03/10/2017
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Congresso receia votar reforma da Previdência, mas não a tributária, diz Hauly

Texto: Luís Lima e Marcos Coronato/Época

Imagem: Billy Boss/Câmara dos Deputados

Fonte: Época

Os tributos brasileiros recaem com mais força sobre quem ganha menos. Enquanto os 10% mais pobres gastam 32% de sua renda com tributos, os mais ricos entregam aos governos “apenas” 21%, segundo um relatório publicado em setembro pela organização não governamental britânica Oxfam. Para ficarmos apenas em análises recentes, estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Senado Federal apontaram em 2016 para o mesmo problema. A sobrecarga em impostos indiretos, sobre produtos e serviços, incide de forma igual sobre todos e ajuda a explicar por que o atual sistema, proporcionalmente, cobra mais de quem tem menos – o que o torna, em linguagem técnica, mais regressivo.

Para atenuar a distorção, uma solução é tributar mais a renda do que o consumo, de forma progressiva. Essa é uma proposta do deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), relator do projeto de reforma tributária. “Ao desburocratizar e tirar a carga grande sobre o consumo, os custos adicionais, hoje enormes, são reduzidos. Ao aliviar os preços [de produtos e serviços], o poder de compra de milhões de trabalhadores aumenta”, diz.

Hauly quer enxugar o atual sistema – extinguir uma dezena de impostos, reduzir os tributos sobre alimentos, medicamentos, máquinas e exportações e acabar com a guerra fiscal entre os estados. Também propõe um processo de cobrança 100% digital e o fim de isenções e exceções tributárias. E se propõe a fazer isso sem mudar a carga tributária, hoje em cerca de 33% do Produto Interno Bruto (PIB) – porque nem o governo admite arrecadar menos nem a população e as empresas admitem pagar mais.

ÉPOCA - O estudo da Oxfam mostra que os brasileiros mais ricos comprometem uma parcela menor de sua renda com o pagamento de tributos. Os 10% mais ricos gastam 21%, enquanto os menos favorecidos gastam 32%. A reforma tributária pode ajudar a reduzir essa distância? Se sim, de que forma?
Luiz Carlos Hauly - Sim. Ao desburocratizar e tirar a carga grande sobre o consumo, os custos adicionais, hoje enormes, são reduzidos. Ao aliviar os preços [dos produtos], o poder de compra de milhões de trabalhadores aumenta. Ao tirar imposto de alimentos e medicamentos, as camadas mais baixas são diretamente favorecidas. Quem ganha até dois salários mínimos terá uma economia de até 15%, por exemplo. Hoje temos alíquotas potenciais de mais de 50% do Produto Interno Bruto (PIB), para arrecadar 35% [do PIB]. Ao tirar essas "gorduras trans", os preços tenderão a cair. Ao tornar o sistema 100% eletrônico, começaremos a coletar muito do que hoje está na informalidade, sendo sonegado. A primeira etapa da reforma já ajuda quem ganha menos. E, no segundo momento, quando começarmos a negociar, a tirar imposto do consumo e jogá-lo na renda, você dará ganhos objetivos. Em dez, 15 anos, retiramos a injustiça tributária do Brasil.

ÉPOCA -  O senhor se inspirou em que países para chegar ao texto proposto?
Hauly - Não inventei nada. Tudo o que proponho já foi implementado no mundo, e é discutido há mais de 30 anos no Brasil. A Europa já tem o modelo proposto. Os Estados Unidos têm um modelo próprio, um pouco diferente do europeu. Lá eles carregam muito a tributação na renda e na propriedade. Por isso as mercadorias nos Estados Unidos e na Europa são mais baratas do que no Brasil. O que está em discussão na Europa, e mais nos EUA, é uma nova tributação que, se vierem a fazer, muda todo o paradigma da tributação do mundo. Aqui estamos procurando fazer o "bê-á-bá", que não foi feito até hoje: simplificar, usar a tecnologia e deixar uma estrutura bem sólida para, a partir dela, fazer outros ajustes, para melhorar a competitividade das empresas.

Um dos objetivos da reforma é dar à empresa brasileira, industrial, o poder de produzir um bem ou serviço de qualidade e preço competitivo em relação ao Paraguai, à China e ao resto do mundo. Hoje, não conseguimos fazer isso, a não ser que a empresa seja monopolista, oligopolista, cartelizada ou que tenha incentivo fiscal. Tudo é formação de preço. A empresa [com a reforma] terá competitividade, poderá expandir, gerará emprego e passará a pagar mais salários. E as famílias estarão empregadas. Se melhora o salário, melhora a renda, e todos ganham. É um jogo de ganha-ganha.

ÉPOCA -  A implementação da reforma tributária também gera empregos?
Hauly - Durante 50 anos o Brasil cresceu a pouco mais de 6%, na média. Nos últimos 37 anos, a 2,2%, na média. Qualquer mexida no sistema tributário [na direção correta] permitirá um crescimento de até 5%. Em poucos anos, o país consegue recuperar toda a perda no emprego. E vai gerar, anualmente, empregos adicionais aos jovens. Acredito que se for negociado, e não imposto, de forma transparente e clara, algo permanente deve ser feito para que o Brasil volte a crescer. E, ao voltar a crescer, também voltam o emprego, a renda familiar e os salários.

ÉPOCA -  Os ministros do Planejamento, Dyogo Oliveira, e da Fazenda, Henrique Meirelles, reconhecem a necessidade de uma reforma. Mas o Meirelles disse que a proposta do senhor é apenas um início de debate e o Dyogo disse que ela é muito abrangente e, nas palavras dele, "politicamente inviável" de ser aprovada na atual conjuntura. Fatiá-la é uma possibilidade?
Hauly - Tenho um respeito e carinho muito grande por esses dois ministros. Tenho a certeza absoluta de que o Dyogo concorda com o modelo, mas, ao mesmo tempo, quer uma variável. Isso, estamos abertos a discutir. Mas, de proposta fatiada em proposta fatiada, o Brasil chegou ao fundo do poço. Dizem que no fundo do poço tinha um alçapão e afundamos nele até parar na China. E descobrimos que, se não fizermos o que os chineses estão fazendo, milhões de brasileiros não sairão da pobreza. O modelo traçado, que inclui, por exemplo, a redução de impostos de comida, remédio, máquinas e exportações, não é uma invenção do Hauly. O mundo já faz isso. Sou um sistematizador desse processo, que traz benefícios, inclusive, para  o  governo federal. O [presidente] Michel Temer fez tantas reformas importantes, e a economia ainda não reagiu. Falta o "tcham", que é a reforma tributária, a mãe das reformas.

ÉPOCA - A interlocução com o Executivo e os partidos...
Hauly  - Com o doutor Gastão Toledo [advogado tributarista e assessor de Temer]. Ele tem estado comigo desde fevereiro, por determinação do Temer. Quem fala de reforma tributária para o governo é o Gastão Toledo. E, no começo, também o Paulo Rabello de Castro, atual presidente do BNDES. Já fiz a exposição da reforma para o presidente da República. E na segunda-feira (25) para o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Estamos abrindo o diálogo para saber quais os caminhos possíveis. E perguntando: me aponte [como fazer], se acha que um remendinho aqui resolve, que aumentar um impostinho ali... de aumentinho em aumentinho, criamos esse monstrão.

ÉPOCA - E como está a recepção dos partidos com a reforma?
Hauly - Excelente. Vejo um ambiente favorável no Congresso, porque é uma proposta dos 513 deputados e 81 senadores. E também de todos os governadores, prefeitos, trabalhadores e empresários. Assim como foi no Supersimples, em 2006, quando chegamos ao plenário com o relatório que apresentei, foi aprovado por unanimidade nas duas Casas. Isso porque já haviam sido discutidas todas as principais arestas. O que ficou para trás, fizemos compromisso para o futuro. Com a experiência que tenho, de sete mandatos, 45 anos de atividade pública, economista, digo que a costura está sendo feita. E não só eu. Há uma energia nacional convergindo para isso.

ÉPOCA - A dificuldade para aprovar a reforma da Previdência pode favorecer a tributária?
Hauly - Os deputados que votaram [e aprovaram] a reforma trabalhista, a terceirização e o teto de gastos já sofreram um desgaste político muito grande. Tenho sentido que não estão dispostos a um novo desgaste. Mas estão dispostos à reforma tributária. E entendo que, resolvida, a tributária abre um caminho para a discussão nacional. Porque a questão da Previdência também passa pela arrecadação.

Há 28 milhões de trabalhadores rurais, grande parte na informalidade; 13 milhões de autônomos. Mesmo com o MEI [Microempreendedores Individuais formalizados], só há 7 milhões de inscritos e 60% de inadimplência. Há 15 milhões de trabalhadores rurais, 13 milhões de autônomos, 5 milhões de domésticas, que começaram a pagar agora, milhões de trabalhadores nas microempresas, que têm redução do encargo patronal, e as filantrópicas, de educação e saúde, que não pagam nada de Previdência. Tenho mais 60 milhões de trabalhadores sem contribuição definida. A parte tributária pode ter um tributo que sobrepasse tudo isso e que socialize essa coleta de tributos para poder financiar a Previdência.

A questão da idade, tudo, é autuarial. Autuária é uma ciência exata. Toda vez que o Brasil, o mundo, qualquer país, fugiu do cálculo autuarial, alguém paga a conta. Hoje, quem paga essa conta é toda a população. Vejo dificuldade para a aprovação agora da Previdência. Mas a tributária abre espaço. Se nos últimos seis anos o Brasil tivesse crescido a 3%, em sintonia com o mundo, teríamos um PIB de R$ 1,2 trilhão a mais e R$ 400 bilhões de receita. Se a economia crescer, o problema previdenciário não fica agudo. A solução tributária soluciona o problema do crescimento econômico, e, ao fazer isso, gera emprego, riqueza e mais impostos. Não há escapatória. É igual o Refis, está aquela briga. Se não faz um Refis grande, ninguém paga. E quem não paga o passado não paga o presente. Milhões de microempresas estão inadimplentes. Fizeram financiamento seco em dezembro, sem desconto, sem nada, por 60 meses e estão todas inadimplentes. A crise levou a isso. Temos de tirar todo mundo da dificuldade, fazendo a economia girar. Se não girar a roda da economia, vamos crescer 0,3%, em vez de 2%.

ÉPOCA - Qual a perspectiva do senhor para a aprovação da reforma tributária na Câmara e no Senado? Se ficar para o ano que vem, tudo bem?
Hauly - Não haveria problema [de ficar para o ano que vem]. Se tecnicamente, ou legalmente, não der para votar no prazo, não há problema. Altera-se o calendário fiscal.

ÉPOCA - Qual o prazo do senhor, hoje?
Hauly - Terminando de fazer as alíquotas, os ajustes, as garantias, no mês de outubro, temos condição de, rapidamente, votar. Deputados e senadores estão sedentos de algo grande e impactante. Acho que até o fim do ano, antes do Natal, concluímos a parte principal. A [parte] Constitucional sim, pode ser dado um prazo para a lei infraconstitucional, de 180 dias, e aprova tudo em três, quatro meses.

ÉPOCA - Uma das premissas do texto é não elevar a atual carga tributária, de cerca de 34% do PIB. Como isso será garantido com as mudanças?
Hauly - O primeiro passo é colocar o sistema que propomos em funcionamento, no primeiro ano, com alíquotas bem baixas, de 2% ou 3%. Testado o sistema, podemos levantar a parede. Na prática, todas as empresas estariam pagando o Imposto sobre Valor Agregado [IVA], dedutivo do imposto velho, que seria mantido. À medida que o imposto novo estiver azeitado, aí podemos levar a alíquota normal e extinguir todos os impostos em até dois anos.

ÉPOCA - O senhor mantém a sugestão de um órgão federal, o Superfisco Nacional, para fiscalizar a arrecadação tributária?
Hauly - Está mantida, só que será um consórcio diferente. Inicialmente, pensei em criar uma autarquia, deslocar funcionários, mas isso não será mais necessário. Cada um ficará em sua carreira. Percebemos que há "n" carreiras em cada estado, município, e não temos solução para tantos problemas de recursos humanos. Os funcionários ficam onde estão. A gente garante, abastece com dinheiro, mantém suas origens, com repercussões nos aposentados, e fica associado. Até porque, no sistema velho, teremos mais de sete anos de serviço para limpar todo o passivo tributário do ICMS, ISS, PIS e Cofins.

ÉPOCA - E como ficariam áreas com isenções tributárias, como a Zona Franca de Manaus?
Hauly - Estamos abertos, pois eles têm uma autorização constitucional porque foi decidido há muitos anos. Até ganharam mais 50 anos, com o compromisso de preservar a Floresta Amazônica. Vamos tratar com muito carinho o que pode ser feito por eles.

ÉPOCA - Há outras áreas com regimes de exceção tributária. Serão mantidas?
Hauly - Não, até porque se isso for feito, na legislação futura, quando você extingue o IPI, Pis, Cofins, ICMS, a nova legislação, do IVA, se der benefício para alguém, temos de dar a todos. O Brasil tem de ser uma planta única industrial, de serviço. A forma de cobrar o tributo tem de ser a mais justa e a melhor para a economia,  para garantir o resultado fiscal, e que não impacte nas empresas, para que não prejudique na geração de emprego e riqueza.

ÉPOCA - O que diria ao prefeito ou governador que tiver o pensamento tradicional do Brasil, reclamando que precisa oferecer incentivos a fim de obter igualdade de condições para atrair empresas, porque sua cidade ou estado é mais pobre, com menos infraestrutura?
Hauly - Nesses casos haverá um fundo de equalização, aos moldes do que há no Canadá. Os estados com receita per capita menor do que a média terão acesso a ele. Com 1% das receitas, equaliza um pedaço. Segundo: os fundos regionais serão mantidos. Poderão ser direcionados para o investimento, rebate de juros etc. Terceiro: com o acréscimo de receita dos estados, que têm alíquota 7%, menor do que outros, eles passarão a ter mais receita. E que eles coloquem parte dessa receita nova no Orçamento para fazer um programa de atração, de incentivos empresariais. Há várias equações. Cada estado deve fazer seu balanço comercial e ver o que ele pode produzir em sua região. Não haverá mais vantagem tributária. Haverá vantagem logística, de transporte, qualidade etc. Essa produção, da maioria dos produtos consumidos da população, pode ser feita localmente. Fiz experiências de, quando se está numa região distante, começar a produzir um monte de coisa que vem de fora. Desde que haja competitividade de preço, e é possível. A [proposta de] lei não permite a criação de exceções.