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Desenvolvimento Econômico, Reforma do ICMS e seus efeitos nos Municípios - Bruno Negris e Isabel Marreiro

“Espírito Santo, Brasil. Um excelente lugar para se trabalhar, investir e viver”. Essa é a frase que se encontra na capa da revista em que a Secretaria Estadual de Desenvolvimento divulga o Estado do Espírito Santo ao Brasil e ao mundo. Com textos em português e inglês, o objetivo da publicação é atrair novos investimentos para o território capixaba, seja na área de serviços, seja no comércio ou na indústria.

A importância desse trabalho publicitário reflete o esforço do gestor público em cumprir sua função de promover o desenvolvimento econômico da região sob sua jurisdição e, assim, oferecer, aos seus administrados, oportunidades de emprego e renda.

Junto com esse movimento vem a formação educacional, seja ela acadêmica, seja comportamental. Assim, a perenidade de uma sociedade fica cada vez mais consolidada ao logo do tempo. A evolução natural da sociedade cria novas necessidades de formação e capacitação que requerem, por parte das políticas públicas, esse olhar ampliado, fazendo um elo entre o ambiente atual e a preparação do Estado para o futuro.

A melhoria do ambiente de negócios deve ser um dos pilares da alta gestão pública, por meio de um processo permanente de simplificação.  Um bom planejamento estratégico estatal deve buscar a melhoria da gestão, fortalecendo as parcerias público privadas, tendo a iniciativa privada como a base para o desenvolvimento da economia, e a certeza de que as receitas públicas se consolidam com a atividade econômica crescente.

A busca pela excelência parte da desburocratização de procedimentos e normas e culmina na responsabilidade do cumprimento das obrigações por parte dos administrados e do Estado. Deixa de ser uma ação isolada, para desencadear um conjunto de ações que podemos aqui denominar como o processo de melhoria contínua da gestão compartilhada dos interesses públicos, que tem como fundamentos a eficiência, economicidade e justiça social.

A sociedade financia os serviços públicos pelo tributo que a mesma paga. Cabe ao poder público, no papel de síndico, gerir esses recursos em prol desta mesma sociedade. No entanto, hoje, no Brasil, por excesso de regras, esses recursos estão cada vez mais direcionados para as áreas gestoras da regulação, em detrimento das áreas-fim. A razão disso está no comportamento da própria sociedade, que, desprovida de pudor e com “garantia da impunidade”, descumpre as normas sem qualquer receio do que aquilo pode lhe causar.

Um exemplo evidente está na obrigação de pagar seus impostos.  Valores exorbitantes estão registrados na carteira de dívida ativa da União, dos estados e dos municípios decorrente da falta de pagamento de imposto, na sua maioria. E o que acontece com aqueles que não pagam em dia suas obrigações tributárias? Resposta: somente dificuldade em obter uma certidão negativa. O congestionamento do Judiciário em relação às inúmeras ações executivas judiciais torna os processos lentos e de difíceis resoluções, fazendo com que as ações sejam longas e quase intermináveis, reduzindo muito a chance de o ente público recuperar o crédito que não foi pago.

Considerando um sistema que tem por objetivo consolidar a federação, com integrantes autônomos nos aspectos financeiro, político e administrativos, o Sistema Tributário Brasileiro, reformado na Constituição Federal sob o título VI, capítulo I, em seus arts. 145 a 162 concretiza a autonomia dos entes federados, conferindo a estes a competência para instituir seus tributos. Na mesma esteira, descreve os princípios constitucionais tributários, a matriz das limitações do Estado ao poder de tributar e a repartição das receitas tributárias.

Significa dizer que todos têm seus tributos próprios, ou seja, tributos federais, estaduais e municipais. Além da receita dos impostos, podem cobrar taxas como contraprestação de serviços públicos específicos e divisíveis, que sejam efetivamente prestados ou potencialmente colocados à disposição do usuário, e ainda possibilita a cobrança das contribuições de caráter social, econômica e para as categorias profissionais. Até que ponto esses entes utilizam essas prerrogativas constitucionais? Ou somente ficam à espera de repartição de receita dos tributos que eles não administram?

No caso dos municípios, poucos investem na competência tributária que lhes foi delegada. O Estado do Espírito Santo possui 78 municípios e poucos deles têm sua “Administração Tributária” bem estruturada, como se o resultado da arrecadação das receitas municipais próprias não fosse importante. Ficar de “pires na mão” parece uma bandeira permanente dos municípios, evitando explorar o seu potencial em gerar receita para o autofinanciamento.

A organização da carreira dos profissionais efetivos responsáveis pela auditoria, administração e arrecadação dos tributos ganha status constitucional e título de carreira específica de Estado, na leitura do art. 37, XXII. A prerrogativa que exerce sobre quaisquer outras atividades administrativas se extrai do art. 200 do Código Tributário Nacional, de suma importância para a consolidação da Administração Tributária própria.

Outro papel importante que deve ser praticado pelos municípios é simplificar e acelerar a formalização dos “negócios” no seu território. Simplificar os procedimentos demonstra o compromisso dos entes tributantes com a redução das desigualdades, melhor distribuição de renda e promoção do desenvolvimento econômico da circunscrição sob sua autonomia.

Em artigo publicado no jornal A Gazeta, em 22 de outubro de 2013, o governador do Estado de Goiás ressaltou: “A política tributária não pode mais dar as costas para a sociedade. Trocar impostos por emprego não deve ser entendido como algo negativo”.  Esse artigo coaduna com o tema aqui falado: delinear as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico.

O ISS e o ICMS são impostos diretamente relacionados à capacidade de consumo de uma sociedade, ou seja, o fato gerador ocorre exatamente no momento do consumo. A tendência mundial vai no sentido de cada vez mais desonerar a produção e tributar o consumo. Portanto, nessa tendência, ganham regiões que possuem uma melhor renda per capita, maior população, dentre outros.

O debate nacional sobrea reforma do ICMS afeta as receitas estaduais e as municipais, considerando que os municípios são “sócios em 25%” do ICMS arrecadado e põem em risco a modelagem atual. A iniciativa dos estados em praticar política própria de desenvolvimento vem promovendo a desconcentração dos investimentos no Brasil. Com isso, novos polos industriais surgiram oportunizando geração de emprego e renda. Nos últimos 12 anos, as receitas de ICMS dos estados tiveram um crescimento “real” significativo, não obstante a redução de carga tributária.

O ES definiu claramente uma política de desonerar parcialmente a produção e a distribuição. O ICMS permite isso, por ser um imposto não cumulativo, razão de ser justo. Pode-se reduzir na produção e na distribuição, e tributar no varejo. Essa prática está sendo adotada na maioria dos países que tem como base da tributação IVA – Imposto sobre o Valor Agregado, em especial, o modelo de tributação da União Europeia. No Brasil, ainda temos a forma de cálculo do ICMS, que conceitua o referido imposto como integrante da própria base de cálculo. É o que chamamos de imposto “por dentro”, que camufla a verdadeira alíquota aplicada à operação. É difícil o entendimento pelo cidadão comum.

Na proposta debatida no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária -CONFAZ, através do Convênio ICMS 70/2014 e no Congresso pela PLS 130/2014, tanto o Estado do Espírito Santo como os municípios capixabas serão duramente prejudicados, pois inicialmente perderão sua capacidade de atrair novos negócios e depois correrão o risco de perder os já conquistados. Razão disso: a modelagem proposta responsabiliza criminalmente os gestores públicos que concederem novos incentivos fiscais, suspende gradualmente os atuais incentivos, aumenta o ICMS, ocasiona a perda de competitividade dos produtos aqui “fabricados” e desmobiliza, ao longo do tempo, os negócios já implantados. 

Como exemplo temos os efeitos da Resolução 13/2012 do Senado Federal que, a despeito de proteger a indústria nacional, retirou receita e negócios do ES, que, a cada dia, vê as atividades da área portuária minguarem em razão dessa medida. Foi a morte súbita de um setor, sem qualquer estudo dos seus impactos. Não foi admitido nem mesmo um período de transição para uma adequação gradual à nova realidade. Vide situação que perdura nas finanças dos municípios que são os principais beneficiários das receitas de ICMS decorrentes da Lei 2508/70.

Esse fenômeno também vai se repetir se houver redução da atual alíquota interestadual de 12% para 7%, ou para qualquer outra alíquota inferior, como prevê a reforma defendida pela União. Se aprovada, será desastrosa não só para o ES, como também para os estados do Norte, Nordeste e do Centro Oeste do país.

O economista José Antonio Bof Buffon disse em um trecho do texto publicado na Revista ES Brasil: “Política e economia são sistemas de alta complexidade, não são movidas pela simplória relação de ‘causa-efeito’ e não comportam diagnósticos superficiais e soluções únicas”. A afirmativa de Buffon corrobora o pensamento exposto neste artigo, que defende que os efeitos econômicos e as receitas tributárias devem ser objeto de estudo muito bem elaborado, realizado por especialistas na área. Caso contrário, poderão causar danos irreparáveis a estados que usaram a criatividade para elaborar programas sólidos de atração de investimentos, em razão da alíquota atribuída a regiões menos desenvolvidas.

Ainda, analisando as receitas tributárias próprias e as receitas oriundas de transferências, dos 78 municípios capixabas, podemos afirmar que aproximadamente 10 municípios do Espírito Santo desfrutam do privilégio de ter grandes valores adicionados. Isso porque considera-se para critério da distribuição do ICMS, como fator principal, o Valor Adicionado Fiscal – VAF. OVAF é composto por vários fenômenos, em especial, os gerados pelas indústrias, em razão desse setor transformar matéria-prima e insumos em produto acabado ou semielaborado. Outro fator importante que merece destaque é o VAF gerado pela indústria de petróleo, em favor dos municípios litorâneos, beneficiados com plataformas marítimas na sua circunscrição.

Os demais municípios dependem muito do VAF gerado pelo comércio varejista ou produção agrícola e da capacidade de consumo da sua população local. Notadamente, a emissão da nota fiscal é crucial para consolidar a relação município, cidadão, VAF e receitas transferidas. O cidadão deve sempre exigir a nota fiscal, tanto na compra de um serviço, como na compra de mercadorias, pois isso gera receita para a cidade, influenciando diretamente no aumento da composição do índice mencionado.

O cidadão consumidor, embora não seja o contribuinte direto do imposto, exerce papel de suma importância nesse momento, tendo a oportunidade de participar ativamente do início do processo de gestão das receitas públicas, pois com a nota fiscal surge para o Estado ou município o direito de constituir o crédito tributário.

Recentemente foi aprovada a Emenda Constitucional nº 87/2015, que, inicialmente, tinha por objetivo regular as operações via e-commerce, mas com as emendas apresentadas no Congresso seus efeitos foram aprovados para todas as operações interestaduais destinadas ao consumidor final, sejam vendas para pessoa jurídica, sejam para física. A complexidade definitivamente chegou ao ápice.

A data de 1º de janeiro de 2016 será um marco temporal para o início da vigência da EC87/2015 respeitadas à anterioridade e a noventena. A partir de então todos serão contribuintes de todos, basta que a empresa realize uma venda para um consumidor de outro Estado. Novamente, para justificar a aprovação, foram feitas avaliações sobre perdas e ganhos por meio de diagnósticos superficiais em detrimento de um estudo tecnicamente elaborado. Estamos entrando literalmente numa zona “cinzenta” sobre esse novo cenário.

Na página 28 da publicação “Gestão Fiscal do ES – Aprendizado para o Futuro”[i], que refere-se ao período de 2003 a 2010,é possível ler, no item Impacto nos Municípios: “O desempenho da arrecadação de tributos estaduais impactou fortemente as finanças dos municípios capixabas, que assistiram a um aumento sem precedentes das transferências constitucionais e voluntárias por parte do Estado. Esses recursos representam cerca de um terço do conjunto das receitas dos municípios capixabas...”. Esse momento único dificilmente se repetirá. Coube a cada município definir como utilizaria esses recursos, desde que respeitadas as vinculações legais. A estruturação das suas administrações tributárias deveria ter sido contemplada com parte desses recursos, fortalecendo, assim, a arrecadação das suas receitas próprias e possibilitando a diminuição “clássica” da dependência de transferências constitucionais.

Em resumo, o que se observa com as propostas debatidas no cenário nacional é que essas têm como consequências frear as políticas de atração de investimentos, aumentar a carga tributária, manter a complexidade do sistema tributário (este cada vez mais anacrônico, com excessos de regulações e quantidades elevadas de obrigações acessórias)e estimular a permanência dos investimentos nos estados mais ricos.

O caminho para o desenvolvimento sustentável não permite esse descompasso entre a atividade econômica e a gestão eficiente das receitas públicas. Aqui se encaixa outro trecho do artigo do economista Jose Antônio B. Buffon, publicado na Revista ES Brasil: “Governos precisam, sempre, plantar mais do que colher, assim os ganhos para a sociedade serão permanentes e progressivos no longo prazo”. Há que se ampliar os horizontes e unir esforços para vislumbrar um cenário otimista.

O avanço do Estado pelo viés das Administrações Tributárias está diretamente ligado a uma grande revolução no sistema, no firme propósito de “plantar mais do que colher”. E para chegar a tal objetivo deve-se adotar um mecanismo de redução da carga tributária, aumento da eficiência arrecadatória, simplificação dos procedimentos, promoção do desenvolvimento econômico com a finalidade de diminuir a pobreza e a desigualdade, melhorar a qualidade de renda, trabalho e emprego, e efetivar ganhos permanentes e progressivos para a sociedade, ainda que em longo prazo. Nesse contexto, poderemos afirmar que o Espírito Santo é um excelente lugar para se trabalhar, investir e viver.


Bruno Pessanha Negris, auditor fiscal da Receita Estadual e Subsecretário de Estado da Receita ES

Isabel C. S. O. Marreiro, Auxiliar fazendária da Sefaz-ES

 


[i] Publicação da Secretaria de Estado da Fazenda do Espírito Santo, elaborada pela Aequus Consultoria e lançada em 2010.